MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Nº 4875-PGR-AF
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.167-3
REQUERENTE : GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
REQUERENTE : GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ
REQUERENTE : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
REQUERENTE : GOVERNADORA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
REQUERENTE : GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ
REQUERIDO : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQUERIDO : CONGRESSO NACIONAL
RELATOR : Ministro Joaquim Barbosa
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. LEI 11.738/2008, QUE ESTABELECE PISO SALARIAL NACIONAL PARA OS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO PÚBLICO. ART. 2º, §§ 1º E 4º: IMPUGNAÇÃO DA PREVISÃO REFERENTE À JORNADA DE TRABALHO DESSES PROFISSIONAIS. CARGA HORÁRIA, NO ENTANTO, QUE CONSTITUI MERO PARÂMETRO DECORRENTE DA EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO DO PISO REMUNERATÓRIO (ARTIGOS 206, VIII, DA CF, E 60, III, “E”, DO ADCT, NA REDAÇÃO DADA PELA EC53/2006) E DO PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR (ART. 206, V, DA CF). ART. 3º, CAPUT E INCISOS II
E III: ALEGAÇÃO DE OFENSA ÀS REGRAS ORÇAMENTÁRIAS CONTIDAS NO ART. 169 DA LEI MAIOR. NÃO CONHECIMENTO DA AÇÃO. PRECEDENTES DA CORTE. POSSIBILIDADE, DE QUALQUER FORMA, DE OBSERVÂNCIA DAS REFERIDAS REGRAS. PARECER QUE, ALÉM DE SUSCITAR A PRELIMINAR REFERIDA, É PELO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE CAUTELAR.
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelos Governadores dos Estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará, em impugnação ao art. 2º, §§ 1º e 4º, art. 3º, caput, II e III, e art. 8º da Lei 11.738, de 16 de julho de 2008, que “[r]egulamenta a alínea 'e' do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os
profissionais do magistério público da educação básica”.
2. Os dispositivos impugnados têm o seguinte teor:
“Art. 2º O piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica será de R$ 950,00 (novecentos e cinqüenta reais) mensais, para a formação em nível médio, na modalidade deNormal, prevista no art. 62 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
§ 1º O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação bási ca, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais. (...)
§ 4º Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.
(...)
Art. 3º O valor de que trata o art. 2º desta Lei passará a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2008, e sua integralização, como vencimento inicial das Carreiras dos profissionais da educação básica pública, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios será feita de forma progressiva e proporcional, observado o seguinte:
I – (VETADO);
II – a partir de 1º de janeiro de 2009, acréscimo de 2/3 (dois tercos) da diferença entre o valor referido no art. 2º desta Lei, atualizado na forma do art. 5º desta Lei, e o vencimento inicial da Carreira vigente;
III – a integralização do valor de que trata o art. 2º desta Lei, atualizado na forma do art. 5º desta Lei, dar-se-á a partir de 1º de janeiro de 2010, com o acréscimo da diferença remanescente.
(...)
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
3. Os Governadores requerentes lembram, inicialmente, que a lei em questão surgiu como decorrência do disposto no inciso VIII do art. 206 da Constituição da República, que, acrescentado ao texto constitucional pela Emenda 53, de 19 de dezembro de 2006, passou a exigir “piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal”.
4. Afirmam que o diploma legal resulta ainda, como consta de sua própria ementa e de seu art. 1º, do disposto no art. 60, III, “e”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, na redação também conferida pela Emenda 53/2006:
“Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições:
(...)
III - observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II, III e IV do caput do art. 208 da Constituição Federal e as metas de universalização da educação básica estabelecidas no Plano Nacional de Educação, a lei disporá sobre:
(...)
e) prazo para fixar, em lei específica, piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica;”
5. Os requerentes sustentam, no entanto, que os dispositivos legais questionados extrapolam as exigências constitucionais trazidas pela Emenda 53/2006, e salientam que a impugnação não se dirige propriamente contra a estipulação de piso salarial para os profissionais da educação básica. Ao revés, argumentam que a lei mencionada deveria ter regulamentado única e exclusivamente esse piso salarial.
6. Expressam contrariedade ao que as normas impugnadas dispõem sobre jornada de trabalho de servidores estaduais, distritais e municipais (art. 2º, §§ 1º e 4º), inclusive quanto à imediatidade de seus efeitos (art. 8º), e no que estariam a revelar imposição, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, de despesas exageradas e sem amparo orçamentário (art. 3º, caput e incisos II e III).
7. Quanto à jornada de trabalho, argumentam que os §§ 1º e 4º do art. 2º da Lei 11.738/2008 transgridem a regra constitucional segundo a qual somente os chefes do Poder Executivo, nos variados níveis da federação, têm a iniciativa legislativa em tema de regime jurídico de servidor. Invocam, no ponto, ofensa ao disposto no art. 61, § 1º, II, “c”, da Carta Fundamental, bem como à autonomia dos entes federados, revelando-se a alegada ofensa ao equilíbrio federativo supostamente contrária ao que dispõem os artigos 1º, caput, 25, caput e § 1º, e 60, § 4º, I, da Lei Maior.
8. Observam, ainda, que a estrutura de sistemas de ensino desenhada pela Carta da República (art. 211) não permite verificar hierarquia entre esses sistemas, mas mera colaboração, não sendo, portanto, admissível a intervenção de um em outro.
9. Asseveram que a estipulação de jornada de trabalho não encontra respaldo na previsão de competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV, da CF), na medida em que não se trataria sequer de diretriz. Mesmo que assim não fosse, a previsão não resistiria a juízo de proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso, visto que a alteração da jornada implicaria considerável ônus financeiro decorrente da necessidade contratação de milhares de novos professores.
10. Pelo mesmo motivo, da referência à jornada ainda resultaria ofensa ao disposto no art. 169, caput e § 1º, da Constituição Nacional, por inobservância das balizas orçamentárias.
11. Relativamente à implementação do piso salarial, prevista no art. 3º, caput e incisos II e III, da lei federal, os requerentes retomam a argumentação de ofensa ao art. 169 da Constituição Federal, demonstrando especial preocupação com a problemática surgida em torno do início da vigência dos novos valores, com eventual retroatividade desses a 1º de janeiro de 2008, considerado o disposto no caput do referido art. 3º, mesmo com a supressão do inciso I desse artigo por veto presidencial.
12. Enfatizam, já não só em relação à referida retroatividade, que toda concessão de aumento de remuneração está condicionada à existência de prévia dotação orçamentária e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (art. 169, § 1º, I e II, da CF).
13. Insurgem-se, ainda, no que concerne às previsões do art. 3º, contra a correspondência do piso nacional com o vencimento inicial dos professores, e afirmam que apenas quando o piso se identifica com a remuneração do servidor (incluindo, portanto, as vantagens pecuniárias) haverá constitucionalidade.
14. Por fim, além do pedido de mérito, formulam pleito de concessão de medida cautelar, salientando, quanto ao periculum in mora, a repercussão negativa, dos pontos de vista pedagógico, jurídico e financeiro, dos dispositivos questionados, não só para os Estados cujos Chefes do Executivo ajuizaram a presente ação, mas para todas as outras unidades da federação. A urgência também estaria caracterizada pela fixação de piso salarial com eficácia retroativa e prazo de implantação, em descompasso com as regras constitucionais e legais sobre orçamento público. Postulam seja conferida eficácia ex tunc à liminar.
15. O Ministro JOAQUIM BARBOSA, relator, para fins de apreciação do pleito de cautelar, aplicou ao feito o disposto no art. 10, § 1º, da Lei 9.868/99 (fls. 49).
16. O Advogado-Geral da União apresentou manifestação no sentido do indeferimento do pedido de medida cautelar (fls. 51-68).
17. De início, postula o não-conhecimento da ação no que toca à alegação de ofensa ao princípio da proibição do excesso, por reputar não fundamentada a impugnação quanto a esse ponto.
18. Argumenta, sob outro enfoque, que as normas questionadas não dispõem especificamente sobre jornada de trabalho dos profissionais do magistério público, mas sim sobre piso salarial, que deve “levar em conta, por óbvio, a prestação do serviço a ser remunerado”, não se
podendo desconsiderar, “em sua estipulação, as diferentes jornadas de trabalho dos profissionais contemplados” (fls. 57).
19. Para o Advogado-Geral, a referência à jornada de trabalho contida tanto no § 1º quanto no § 4º do art. 2º da Lei 11.738/2008 só se justifica em função do estreito vínculo que guarda com a fixação do piso salarial, e para o fim único de se manter a devida proporcionalidade nos casos em que a jornada de trabalho supere quarenta horas semanais (§ 1º do art. 2º) ou em que o desempenho das atividades de interação do professor com os educandos ultrapasse dois terços da carga horária (§ 4º do art. 2º), em obséquio, nesta hipótese, ao princípio da valorização dos profissionais da educação escolar (art. 206, V, da CF).
20. Em relação ao art. 3º, caput e incisos II e III, da lei federal, sustenta que a implementação do piso salarial só começará a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2009, visto que, com o veto presidencial ao inciso I do artigo, não tem eficácia o respectivo caput, no que faz alusão retroativa a 1º de janeiro de 2008.
21. Argumenta, assim, que “há tempo hábil para que os entes federados incluam, previamente, em suas leis orçamentárias, suficiente dotação orçamentária, bem como autorização específica, nas respectivas leis de diretrizes orçamentárias” (fls. 64). Dessa forma, não haveria ofensa ao art. 169 da Constituição da República, e a postergação dos efeitos da lei revelariam a ausência de periculum in mora.
22. Sobre o que deve ser compreendido como piso salarial (se a remuneração ou se o vencimento), afirma que ação, no ponto, não pode ser conhecida, ao fundamento de que os requerentes deixaram de impugnar o §2º do art. 3º da lei federal, que também trata do tema.
23. Defende, por derradeiro, que há tempo suficiente para, caso necessário, os entes federados venham a realizar concurso público para o preenchimento de vagas na rede pública de ensino.
24. Pronuncia-se, enfim, pela não-concessão da cautelar.
25. O pedido de medida cautelar há de ser indeferido, tal como sustentado pelo Advogado-Geral da União.
26. Inicialmente, é necessário ter em vista que a jornada de trabalho dos profissionais do magistério público, nos moldes como referida nos §§ 1º e 4º do art. 2º da Lei 11.738/2008, foi estabelecida exclusivamente para efeito de estipulação do piso salarial. Vale dizer que a jornada não foi tratada pelo legislador federal como um tema isolado, de modo específico, com força, só por si, de alterar os vários regimes jurídicos ou planos de carreira do magistério público dos diversos entes federados.
27. Cuida-se, isto sim, de decorrência da implantação do piso salarial nacional, exigida pelo art. 206, VIII, da Constituição da República, e pelo art. 60, III, “e”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, na redação que lhes deu a Emenda Constitucional 53/2006.
28. Relativamente ao § 1º do art. 2º da lei federal, a constatação é mais evidente, e está a significar, contrario sensu, que o piso salarial será superior ao que previsto no caput do artigo (R$ 950,00) no caso em que a jornada de trabalho dos profissionais do magistério público ultrapassar quarenta horas semanais, o que, de certo modo, é confirmado pelo disposto no § 3º do mesmo artigo da lei.
29. O § 4º do art. 2º há de ser interpretado de modo semelhante, de modo a resguardar a proporcionalidade entre o piso salarial e o limite da carga horária destinada ao desempenho exclusivo de atividades de interação com os educandos. Desse modo, se o tempo dedicado pelo
professor à atividade de interação superar dois terços de sua jornada de trabalho o piso salarial deverá ser majorado. A interpretação do dispositivo em exame não pode ser outra, considerada mormente a sua localização no texto legal, na condição de parágrafo que se vincula à norma contida no caput do artigo.
30. Em outras palavras, o que há na lei federal sobre jornada de trabalho está diretamente ligado ao piso salarial nacional, de forma que a aquela não existiria sem este, e vice-versa, na medida em que não seria possível definir o piso, tal como exigido constitucionalmente, sem parâmetros que garantissem certa uniformidade de tratamento aos profissionais do magistério público em todo o território nacional.
31. Nessa linha, os dispositivos questionados parecem atender a um ideal de justiça, com prevalência de tratamento isonômico àqueles que se encontram na mesma situação fático-jurídica, e tendem a cumprir o objetivo do constituinte derivado revelado com a promulgação da Emenda
Constitucional 53/2006.
32. Sob tal ângulo, demonstra-se legítima ainda a exigência de que o piso salarial coincida com o vencimento inicial das carreiras dos profissionais da educação básica pública, pois impede que, em alguns entes federados, o piso seja o vencimento básico, e, em outros, a remuneração total (ou vencimentos), a compreender, portanto, vantagens pecuniárias.
33. No que se refere ainda ao § 4º do art. 2º da lei federal, e sem prejuízo do que já externado, é de se levar em conta que o limite estabelecido, na composição da jornada de trabalho, para o desempenho de atividades de interação com educandos tem como pressuposto o inquestionável desgaste que tais atividades causam aos professores, motivo, aliás, que foi considerado pelo legislador constituinte na fixação de requisitos reduzidos de idade e de tempo de contribuição para aposentadoria de professor da rede pública que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio (art. 40, § 5º, da CF). Note-se que até para o professor submetido ao regime geral de previdência social há redução, em casos tais, do tempo de contribuição para efeito de aposentadoria (art. 201, § 8º, da CF).
34. O limite de carga horária para atividades de interação com os educandos, além de se mostrar harmônico com a normatização constitucional sobre aposentadoria especial de professores, atende, como lembrado pelo Advogado-Geral, ao princípio da valorização dos profissionais da educação escolar (art. 206, V, da CF, na redação dada pela EC 53/2006).
35. Em razão dessas considerações, ficam prejudicados os argumentos declinados pelos requerentes, visto que a disciplina contida nos §§ 1º e 4º do art. 2º da lei federal decorre da própria Constituição da República, cujas normas alegam terem sido desrespeitadas. A interpretação sistemática da Constituição, com ênfase às normas que veiculam a exigência de fixação de piso salarial nacional para o magistério público, porque são as que mais se aproximam dos dispositivos questionados, há de prevalecer sobre a análise estanque, isolada, de dispositivos constitucionaisescolhidos por conveniência argumentativa.
36. Desse modo, não há de proceder a alegação de afronta à atribuição dos chefes do Poder Executivo de cada ente federado para deflagrar o processo legislativo sobre regime jurídico de servidor (art. 61, §1º, II, “c”, da CF), visto que não houve propriamente alteração da jornada de trabalho dos professores, mas sim medida destinada a assegurar a equivalência entre essa e o piso salarial. Vale frisar que o reflexo na jornada decorre da fixação do piso, imposta pela Carta Fundamental.
37. De igual forma, não pode prosperar a argumentação de ofensa à autonomia dos entes federados, que, como se sabe, encontra limites e está condicionada ao que disposto no próprio texto constitucional.
38. Há de se salientar ainda que as normas questionadas não implicam ingerência de um sistema de ensino em outro, na medida em que, para efeito de fixação do piso salarial nacional, existe apenas um grande e único sistema, que exige uniformidade de tratamento aos profissionais da
educação pública em todo o âmbito nacional.
39. Não bastasse isso, as normas impugnadas ainda encontram espaço de inserção no campo de competência da União, se não privativa para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV, da CF), afastada pelos requerentes, certamente no de competência concorrente para estabelecer normas gerais sobre educação (art. 24, IX, da CF).
40. No que concerne ao art. 3º da Lei 11.738/2008, é necessário afirmar, em caráter preliminar, que as alegações voltadas contra esse dispositivo não hão de ser conhecidas, na medida em que fundadas no art. 169 da Constituição da República, cuja observância demanda a análise prévia de normas infraconstitucionais e de elementos fáticos, exame a que não se sujeita a fiscalização normativa abstrata.
41. Nesse sentido é a jurisprudência firme do Supremo Tribunal Federal, de que constituem exemplos os seguintes julgados:
“EMENTA: I. Despesas de pessoal: limite de fixação dele gada pela Constituição à lei complementar (CF, art. 169), o que reduz sua eventual superação à questão de ilegalidade e só mediata ou reflexamente de inconstitucionalidade, a cuja verificação não se presta a ação direta; existência, ademais, no ponto, de controvérsia de fato para cujo deslinde igualmente é inadequada a via do controle abstrato de constitucionalidade. II. Despesas de pessoal: aumento subordinado à existência de dotação orçamentária suficiente e de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 169, parág. único, I e II): além de a sua verificação em concreto depender da solução de controvérsia de fato sobre a suficiência da dotação orçamentária e da interpretação da LDO, inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo: precedentes” (ADI 1.585, Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 3/4/98).
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDA E. LEI COMPLEMENTAR Nº 191, DE 18 DE ABRIL DE 2000, DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ALEGADA VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 169, CAPUT E § 1º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Controvérsia insuscetível de análise em controle abstrato de constitucionalida de, posto envolver o exame de normas infraconstitucio nais (Lei Complementar nº 101/2000) e de elementos fáticos (existência da prévia autorização a que se refere o mencionado inciso II do § 1º do art. 169 do texto constitucional). Ação direta não conhecida” (ADI 2.339, Ministro ILMAR GALVÃO, DJ de 1º/6/2001).
“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Leis federais nº 11.169/2005 e 11.170/2005, que alteram a reuneração dos servidores públicos integrantes dos Quadros de Pessoal da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. (...) 7. A ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão somente a sua aplicação naquele exercício financeiro. 8. Ação direta não conhecida pelo argumento da violação do art. 169, § 1º, da Carta Magna. Precedentes : ADI 1585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ 3.4.98; ADI 2339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ 1.6.2001; ADI 2343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ 13.6.2003. 9. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhe cida e, na parte conhecida, julgada improcedente” (ADI 3.599, Ministro GILMAR MENDES, DJ de 21/5/2007).
42. Em virtude do que exposto, o presente processo, quanto aos argumentos de ofensa ao art. 169 da Carta Fundamental, há de ser extinto sem resolução do mérito.
43. No entanto, caso a Corte assim não entenda, é importante mencionar, por primeiro, que não tem razão de ser a preocupação dos requerentes com eventual pagamento retroativo do novo piso salarial dos profissionais da educação pública básica.
44. É que, apesar de o caput do art. 3º da Lei 11.738/2008 estabelecer que o valor do piso passará a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2008, o inciso I, que dispunha sobre a implementação da primeira parcela a partir dessa data, foi vetado pelo Presidente da República, justamente após insurgências de chefes do Poder Executivo de várias unidades federativas.
45. Assim, o caput do art. 3º perdeu, nesse ponto, sua eficácia, passando a implantação do piso salarial a seguir, tão-somente, o disposto nos incisos II e III do artigo, ou seja, com início do pagamento da primeira parcela em 1º de janeiro de 2009 e com a integralização do valor em 1º de janeiro de 2010. Isso significa que a retroatividade do pagamento do piso está descartada, e nesse ponto a impugnação não tem razão de ser.
46. Não procede ainda, quanto à implementação do piso salarial em 2009 e 2010, a alegação de ofensa ao art. 169, § 1º, da Constituição da República, ao argumento de não ter havido prévia dotação orçamentária e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias das entidades federativas (art. 169, § 1º, I e II, da CF).
47. Tal como externado pelo Advogado-Geral da União, “há tempo hábil para que os entes federados incluam, previamente, em suas leis orçamentárias, suficiente dotação orçamentária, bem como autorização específica, nas respectivas leis de diretrizes orçamentárias” (fls. 64).
48. Tenha-se em vista ainda que a fixação de piso salarial nacional para os profissionais do magistério público não constituiu acontecimento imprevisto, porquanto o texto constitucional anunciava a definição do piso por lei federal desde dezembro de 2006, quando da promulgação da Emenda Constitucional 53, de modo que os entes federados deveriam estar preparados, desde então, para cumprir as determinações legais de âmbito nacional que surgiriam como decorrência natural dos comandos inseridos no texto da Constituição da República.
49. Não é razoável que, agora, passados quase dois anos da exigência constitucional de definição do piso salarial nacional para os profissionais de educação, e alguns meses da Lei 11.738/2008, que a regulamentou, venham os requerentes alegar ausência de dotação orçamentária ou de autorização específica nas respectivas leis de diretrizes orçamentárias, como se tivessem sido surpreendidos com a edição da lei federal.
50. Por esses motivos, não merecem acolhida as alegações no sentido da existência de periculum in mora para a concessão de medida cautelar, mesmo em relação ao argumento da necessidade de contratação de novos professores como decorrência do disposto no § 4º do art. 2º da Lei 11.738/2008.
51. É de se atentar, por fim, que, por força do disposto no art. 4º da própria lei federal e no inciso IV do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, na redação dada pela Emenda 53/2006, a União está obrigada a complementar, nos limites definidos nesses dispositivos, a integralização do montante do piso salarial nos casos em que os entes federados não tenham disponibilidade orçamentária para cumprir o valor fixado, o que suplanta argumentos no sentido da insuficiência financeira em determinados cofres públicos para o cumprimento da lei.
52. Percebe-se pela fundamentação articulada na inicial que, embora os requerentes neguem, a impugnação volta-se diretamente contra a fixação de piso salarial nacional do magistério público.
Ante o exposto, o parecer é, quanto às alegações de ofensa ao art. 169 da Constituição da República, pela extinção do processo sem resolução do mérito, e, no mais, pelo indeferimento do pedido de medida cautelar.
Brasília, 11 de novembro de 2008.
ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
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