Foram oito cirurgias complexas, mais ou menos dois anos e meio usando gesso nas pernas, na coluna; sete meses morando no hospital Sarah; um bocado de dor; um tanto de esperança; uma porção de esforços e um choro de mãe.
Chega um dia em que você é fatalmente declarado “deficiente” e vai ter de encarar o fato que caminhar ao longo da praia sentindo a areia entre os dedos quentinha, quentinha, não será possível da maneira convencional.
Minha família tentou por treze anos seguidos reabilitar meus passos depois de eles terem sido levados pela pólio (a paralisia infantil) quando eu ainda era um bebê gordinho de nove meses que começara a engatinhar e a se agarrar nos móveis para ensaiar uma dança.
“Você prefere a cadeira de rodas ou o aparelho”, perguntou o médico, um dos mais preparados do país, para mim, longe da minha mãe, claro. Escolhi a cadeira. Vocês não imaginam o que são alguns aparelhos ortopédicos. Sabem o Robocop? Então, você vira o Robocop.
E é evidente que os tratamentos todos me “consertaram” muito. Me possibilitaram que hoje eu tenha uma vida tão fantástica a ser contada e lida que ganho mais adeptos todos os dias para saber dela e, conseqüentemente, saber um pouco mais de si e de um universo que muitos entendem como “paralelo”, a matrix daqueles que têm alguma limitação.
No momento em que eu, menino, decidi ser cadeirante e que a busca pelo caminhar havia acabado, vi um choro incontido da minha mãe. Eu queria descansar, embicar a vida... ela queria mais esperanças, ela queria reparar o que, naquele momento, era irreparável.
Vocês devem estar achando que bebi e bati a cabeça, né? “Cadê o Boooozo???” É legítimo que conheçam a minha própria história em detalhes, não é mesmo? Afinal, entro e vasculho a várias das de vocês.
Não... mas é que quero que compartilhem comigo que essa decisão de ontem, do Supremo Tribunal Federal, liberando as pesquisas de células tronco embrionárias, desperta um fio de esperança novo talvez não para mim, mas para toda uma futura humanidade.
Não sei viram uma reportagem (só para assinantes UOL e Folha) publicada anteontem de um ser bizarro em Brasília dizendo para um grupo de cadeirantes parar de querer a liberação das pesquisas e ir buscar a solução de seus males em “Gzuis”.
Queria tanto que ele visse o documentário do superação. E queria mais que ele ficasse meia hora trancado numa sala cheia de maribondos. E mais ainda que ele pudesse entender o que é devolver a milhares de pessoas a expectativa de retomarem sonhos quase extintos.
Diversas pessoas já me perguntaram e ainda perguntam se não tenho “vontade de andar”. Penso que a minha série de conquistas sobre essas quatro rodas ao longo da vida ajudaram a anuviar esse possível desejo.
Acredito firmemente que é possível ser muito feliz, se realizar, ser completo sem a inexorável sensação de sentir a pressão do corpo na sola dos pés ao sair da cama ao amanhecer.
O mesmo, acredito eu, devem pensar muitos daquele que não escutam a corrida do vento, que não vêem o brilho intenso refletido pela lua cheia, que não gritam na montanha russa. Afinal, existir é muito mais do que apenas sensações.
Porém, me alivia saber que no futuro, quem sabe, as pessoas portadoras de necessidades especiais poderão se sentir plenas em todos os sentidos. Oxalá essas células embrionárias, elas que originam a vida, brindem a humanidade com banhos de mais e mais esperanças e menos choros embargados de mães.
FONTE: BLOG DE JAIRO MARQUES
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