domingo, 3 de agosto de 2008

JUROS ALTOS - A PONTA DO ICEBERG

O combate ao ciclo de elevação da taxa básica de juros, a Selic, adotado pelo Banco Central (BC) e que tende a ser longo, é a tarefa mais importante para os trabalhadores nos dias atuais. Ao analisar as condições históricas, políticas e econômicas que se entrelaçam nesta questão, vemos que o Brasil vive atualmente uma situação de aberto confronto entre a elite e o povo — com fortes repercussões no mundo do trabalho.
Por João Batista Lemos*

No Brasil, apesar dos avanços democráticos ocorridos nestes anos de governo Lula, ainda vivemos uma situação que torna difícil a tarefa de fazer dos trabalhadores agentes sociais e políticos efetivos. Ou por outra: é difícil construir avanços sociais numa economia historicamente controlada com mão de ferro por uma minoria da sociedade insensível às necessidades da imensa maioria da população — o que se traduz num sistema econômico rapinesco pelo qual poucas leis fazem tanto sentido quanto a lei do mais forte.
Agora, com a inflação ameaçando sair do rígido controle da política monetária, voltam à tona velhas teses que atingem frontalmente os trabalhadores. É o caso da campanha de setores empresariais — e até de economistas com perfil progressista — que defende o corte de investimentos públicos como meio para domar a inflação. O fato é que tanto o aperto monetário do BC por meio dos juros elevados quanto o “ajuste fiscal” dos cortes em investimento atingem diretamente os trabalhadores.
Estas duas alternativas procuram descarregar nas costas dos assalariados o peso do combate à inflação. A primeira significa estancar o crescimento econômico e reprimir o consumo. Já o “ajuste fiscal” implica em cortar investimentos em estradas, ferrovias, escolas e hospitais de que o povo precisa para abastecer o superávit primário — que paga os juros e encargos da especulação financeira. Nenhuma dessas alternativas vai à raiz do problema. As duas trazem de volta, para os trabalhadores, o velho dilema: se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.
Arquitetura social brasileira
Qual é a saída? O Brasil precisa de mais produção, de mais emprego e de mais renda para dinamizar a sua vida econômica e social e não ficar dependente do capital especulativo — principalmente o internacional. Aos trabalhadores cabe também a tarefa de exigir do governo mais investimento na produção agrícola para enfrentar a pressão externa da alta dos preços dos alimentos e estimular o mercado interno.
O consumo popular funciona como o estopim econômico de transformações sociais. Para o povo, ele é bem-vindo também por isso — a edificação de uma sociedade de consumo no Brasil trará muitos benefícios. Poderemos transformar muitos brasileiros em cidadãos, reintegrados pelo direito de exercer um poder de compra, mínimo que seja. O Estado precisa de um projeto de nação e gerenciar a produção, não a especulação.
Diagnósticos e prognósticos
Diante disso, duas questões surgem como essenciais: a geração de emprego e o estímulo ao consumo. O desemprego ainda alto precisa ser atacado com a retomada do desenvolvimento econômico e ao mesmo tempo com a valorização do trabalho. As alternativas de aperto monetário e “ajuste fiscal” ignoraram essa coisa simples de que fórmulas matemáticas não devem substituir o desenvolvimento de um povo que habita uma região cheia de riquezas naturais.
Hoje, o combate às sucessivas altas dos juros pelo BC, contrariando diferentes diagnósticos e prognósticos sobre seus males para o país, abarca diferentes setores da sociedade. Mas é preciso constatar que entre os que reprovam a política de juros altos estão os que propõem o “ajuste fiscal” — que também é nefasto para os trabalhadores. Não resta para nós outro caminho que não seja o de exigir com vigor uma mudança de rumo na condução da política macroeconômica e combater tanto o aperto monetário quanto o “ajuste fiscal”.
Assalariados pagam o pato
O desafio é transformar a indignação cada vez mais em energia para dar combate aos interesses que se beneficiam desta ciranda financeira. E uma das formas é mostrar, com consistência e profundidade, para os trabalhadores que seremos os primeiros — e os principais — a serem atingidos pela crise anunciada com a elevação dos juros. E mostrar que o “ajuste fiscal” vai na mesma direção. Se a mão pesada do BC não for detida já, em 2009 certamente haverá redução da atividade econômica, o que se desdobra em mais desemprego e achatamento salarial.
Não resta dúvida: na crise, os primeiros a pagarem o pato são os assalariados. No capitalismo, o consumo depende basicamente dos que vivem de salário e de lucro — para preservar o segundo, o primeiro precisa ser sacrificado. Trocando em miúdos: se o rico deixar de consumir caviar, muito antes vários trabalhadores perderão a condição obtida com a expansão do emprego e a elevação do salário por conta do crescimento econômico de comprar um quilo de carne.
Passos no presente
Um cenário menos sombrio para os trabalhadores depende dos nossos passos no presente, da defesa com ações concretas de um projeto de desenvolvimento com valorização do trabalho e com vocação soberana. Esta é a resposta que deve ser dada ao padrão conservador da macroeconomia brasileira. Ou seja: pensar o país estrategicamente.
Esse é, sem dúvida, o fio da meada para se compreender a complexa equação econômica que define a atual situação brasileira. O pano de fundo é o papel do Estado, que dever ter um projeto de nação e agir como indutor da economia. Para que este projeto se concretize, é preciso lutar com unidade e determinação. O Brasil não pode retroceder aos tempos em que prevalecia a política de o Estado atacar direitos dos trabalhadores, de enfraquecer o trabalho para fortalecer o capital.
Ações políticas de massa
Administrar o país tendo em perspectiva um novo rumo significa aferir perdas e ganhos de cada medida adotada, considerando sua escala de contextos. A busca do caminho mais curto — como é o caso desta escalada de alta dos juros para supostamente combater a inflação causada basicamente pela alta dos alimentos e das commodities, além da queda do dólar — não é a saída para melhorar as coisas. O momento histórico do Brasil é muito rico e, por isso, propício para uma definição de rumo.
Os passos que damos é que vão inventando o caminho, como no provérbio. Lógico que estamos diante de um cenário complexo. Mas, principalmente por isso, precisamos de mais ações políticas de massa. O país está completamente imerso nos fluxos internacionais de capitais especulativos e está deixando a política econômica ser determinada pelos "investidores". E isso leva o país a orientar as prioridades econômicas para o setor financeiro.
Raiz dos problemas
O país precisa de uma mudança contínua na política macroeconômica. É preciso taxar efetivamente a remessa de lucros e controlar a movimentação do capital especulativo. A liberdade total do dinheiro que entra e sai do país para se banquetear nas altas taxas de juros estipuladas pelo BC favorece somente os grandes especuladores nacionais — e, principalmente, internacionais.
Há quase que um consenso de que o Brasil não pode mais dar-se ao luxo de continuar passivo diante da crise mundial, que tende a tragar para o centro do furacão as economias com pés de barro. A hora de o Brasil enfrentar a raiz de seus problemas é agora. É um passo que, se não for dado já, mais tarde o preço a pagar será muito mais alto. Todos os sinais apontam para a exaustão do país diante de uma economia asfixiada por um prolongado e autoritário controle monetário, que continua gerando vulnerabilidade externa e mazelas sociais.
Tarefa monumental
É preciso olhar números, debater e discutir soluções. O Brasil tem, aproximadamente, 54 milhões de pobres, ou 34% dos habitantes do país. Isso corresponde a uma Itália. Desses 54 milhões, cerca de 30 milhões vivem abaixo da linha de indigência. Isso corresponde a uma Venezuela. Os 10% mais ricos da população ficam com quase metade de tudo o que é produzido no país. A metade mais pobre ganha menos do que o 1% mais rico.
Virar esse jogo é uma tarefa monumental, que pode até ser dolorosa, é verdade. É, sem dúvida, uma engenharia de grande envergadura, que exige flexibilidade para fazer os objetivos encadear sempre na perspectiva da solução preconizada pelos trabalhadores, acompanhando a vida e suas nuances. Para tanto, todos os nossos esforços devem estar a serviço da superação completa do neoliberalismo, que fez os ricos ficarem mais ricos, os pobres mais pobres, e os miseráveis excluídos até da discussão sobre a exclusão social.
* Por João Batista Lemos é secretário-adjunto de relações internacionais da CTB.

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